De Leve - Manifesto ½ 171 (2006)

As letras do rapper carioca De Leve chegam como cruzado em fim de round pronto para levar o ouvinte à lona. Clareza e crueza misturadas à ironia expõe situações que passam aos olhos todo dia, mas que dificilmente param nos ouvidos. De Leve pega pesado quando versa seu "Manifesto ½ 171", disponível em CD e download no site do artista. A capa faz menção ao disco anterior, "Estilo Foda-se": o mesmo sofá, o mesmo MC, mas agora, ao invés dos óculos escuros e do sorriso "ixperto", De Leve olha para o nada, e você percebe que vai ter que correr para tentar acompanhá-lo.

Mordazes e geniais são a maioria das frases escritas pelo rapper. A métrica De Leve tem cadência própria, e muitas vezes deixa a impressão que os graves e efeitos de base correm atrás do balanço formado pelos versos e não o contrário. Frases como "Esquece o estresse a gente merece algo mais/ que salário no fim do mês porque é mole pedir a paz/ quando cê tem segurança e uma Cherokee blindada/ e suas crianças soltam pipa no ventilador de casa" fazem pensar se é possível resenhar um disco só com a completa transcrição das músicas.

As letras têm graça fácil, quase óbvia: "mexe o cu.../ mexe o cu.../ mexe o culote (e as gatinhas!)" que só a inteligência associada à cara de pau é capaz de articular: "Feipa", por exemplo, é corruptela de "feiopacaraio". O discurso versa sobre política-comportamento-mulherada-diversão e deixa dúvida se a temática é repetida por falta de assunto do rimador ou da sociedade que ele observa. A malícia verbal aponta o erotismo, a política, a dura policial ou os três juntos, caso da deliciosa "Todo Errado".

Bom para dançar, "Manifesto ½ 171" tem bases que vão do formato clássico do rap à conexão funk carioca-miami bass – mais presente nesse disco, assim como a influência do ragga em bases e vocais, como em "Pode Queimar", que vira "sambadub" ou "raggasamba" quando entra um sensacional cavaquinho fazendo fundo. O que ele queima são os políticos e não a erva, como se pode pensar, pois ele não poupa ninguém. Nem mesmo a "cena" hip hop mainstream, como mostra o "Caô Fudido".

Através do escracho, De Leve dá mais um passo qualitativo na caminhada do rap nacional: o humor nas obviedades que todos sabem existir e ninguém comenta prova que o gênero já foi deglutido e é devolvido além da cultura de gueto. É possível denunciar as mazelas econômicas, sociais, financeiras ou morais sem ter que discursar de forma política ou pesada. De Leve confirma uma nova medida: a visão mordaz é parte integrante dessa cultura.

"Manifesto ½ 171" é nitroglicerina politicamente incorreta, versada com toda a sacanagem que esse homem de Niterói pode contribuir. É saudação à coerência verbal, impressionante por nascer em um país onde ninguém lê. Talvez um estudioso da língua ouça o disco e reclame de alguém que rima "idade" com "humildade". Mas De Leve tem resposta rápida: "Diploma", electro hip hop bebido em Afrika Bambaata, "pega o teu diploma e limpa tua bunda/ não tem emprego tenta na segunda". Tosqueira classe A. [Renata Simões]

De Leve
Manifesto ½ 171
2006

1. México
2. Se Liga
3. Feipa
4. Diploma
5. Tema da Novela das 8
6. Rolé de Camelim
7. Todo Errado
8. Isso sim é uma piada
9. Caô Fudido
10. Pode Queimar
11. Magali, Carol, Bisteca e Chuleta

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